Cultura Popular: Um relato de experiência sobre as oportunidades e desafios da literatura

Libania Maria Pinheiro Borges

Professora no Governo do Rio Grande do Norte

Alequexandre Galvez de Andrade

Instituto Federal de São Paulo

Resumo: Este estudo trata-se de um Relato de Experiência sobre um trabalho desenvolvido ao longo de 15 anos, em uma escola estadual, o Instituto Pe. Miguelinho, na cidade de Natal (RN), com jovens entre 15 e 19 anos, partícipes do 3º. Ano do Ensino Médio. Jovens advindos principalmente da Zona Norte da Capital, mas também frequentadores do bairro do Alecrim, bairro próximo ao centro histórico de Natal. Utilizou-se estratégias de atuação para acelerar o avanço da aprendizagem. Foram desenvolvidas as fases de diagnóstico, elaboração democrática da metodologia com atividades lúdicas e de entretenimento, apresentação da legislação e extensão para a carreira universitária. Com base nas atividades desenvolvidas, os jovens progrediram e compreenderam a proposta de trabalho e adquiriram o prazer e amor pela leitura.

Palavras-chave: Multiculturalismo; Autonomia; Liberdade.

Abstract: This study is about an experience report about a work developed over 15 years, in a state school, the Instituto Pe. Miguelinho, in the city of Natal (RN), with youngsters between 15 and 19 years old, participants of the 3rd. Year of High School. Young people coming mainly from the North Zone of the Capital, but also frequenters of the Alecrim neighborhood, a neighborhood close to the historic center of Natal. Action strategies were used to accelerate the advancement of learning. The stages of diagnosis, democratic elaboration of the methodology with playful and entertainment activities, presentation of legislation and extension for the university career were developed. Based on the activities developed, the young people progressed and understood the work proposal and acquired the pleasure and love of reading.

Keywords: Multiculturalism; Autonomy; Freedom.

1. Introdução   

A fase de adolescente é bastante impositiva para pais e professores. Reduzida e bastante comprometedora quando provocam o “status quo”. O que está estabelecido não se mexe. É uma visão de conflito. Mudou, afrontou, é um perigo. Dizia-se que usava drogas, estava “pinel”, louco. Em um filme brasileiro protagonizado por Rodrigo Santoro, “Bicho de 7 cabeças”, nos reporta esta visão de adultos.

Contrariando esta posição, com a pandemia de Covid (2020 – 2021), uma proposta nos trouxe o imprevisível, o que nunca fizemos, pois, a concepção é a de que jovens nos pertencem (filhos também). Uma nova postura do professor foi necessária, sendo que agora passa a ser o tutor e os jovens devem ser protagonistas. Quanta metamorfose. Não é uma postura radical, mas é citada por tantos autores desde a década de 60, por exemplo, por Paulo Freire (1994). Inicialmente chamava a atenção dos conteúdos inseridos aos estudantes como se eles fossem um banco, um depósito. Em um modelo tecnicista coloca-se em conflito qual o papel da cultura, da vivência, da família, o que se sabe? a ideia central era a de que o jovem não era capaz de tomar suas decisões, porém este pensamento foi desconstruído ao longo dos anos.

A motivação deste relato tem como base a percepção da angústia dos jovens com baixo nível de leitura e interpretação de texto, chegando inclusive, com posturas de abandono de sua criancice o que culminava em desalento e evasão escolar.

É preciso oferecer liberdade, autonomia, uma postura de resgatar esse sujeito para suas decisões, sua imposição. É assustador, pois estudamos (professores) em um regime autoritário, se quer questionávamos. Muitos adquiriram e adquirem as manhas desse autoritarismo com posturas autoritárias, inclusive, nas Universidades. Percebemos que não existe uma política de Estado, mas defesas de posturas que assustam os atuais professores.

  1. Multiculturalismo, Autonomia, Liberdade e Metodologias

Atuando com jovens advindos deste contexto e professores que, aos poucos, compreendem que se deve romper paradigmas e evoluir para obter uma sociedade democrática, crítica, reflexiva e propositiva. Morin (2000) afirma que a cultura é constituída por um dos saberes, fazeres e regras, normas, proibições.

Ao abordar a pluralidade cultural, o professor deve promover no aluno o sentimento de valorização cultural do país, além de reconhecimento e respeito das diferentes culturas (CANDAU, 2008). Constroem-se uma personalidade para articular-se com o social e com as políticas. Ao revelar, resgata-se a memória, e cria um sentimento de pertencimento ético, territorial, e de valores. Neste sentido, mudando posturas de ensino, conteúdo curricular, o jovem se apropria, de sua cultura, mas se expõe em necessidades de “preciso conhecer, refletir e reconstruir” minha estrada, vida no mundo letrado.

Foram realizadas atividades distribuídas em quatro semanas, no início do período letivo, para Cento e sessenta Jovens com baixo nível de leitura entre 15 e 19 anos. Alguns se quer haviam lido um livro ou sabiam distinguir uma poesia de um texto em prosa. Ao questionar sobre aulas diferentes, gostavam, e os que se opunham optavam pelo livro didático, provas, e diziam que já estava bom, este fator também pode ser comprovado pela pesquisa realizada com 260.349 jovens que afirmam gostar da escola, mas não gostam das aulas (PORVIR, 2019). Na primeira semana era realizado um diagnóstico.

Ao estabelecer modelos de aulas pouco estimulantes, tanto aluno quanto professor se sentem desmotivados. Por isso, na segunda semana, apresentava-se uma proposta aceita por aclamação e gravada. Claro que havia mudança de consciência para compreender o idioma. Pouca resistência, confiavam em uma proposta diferenciada que os resgataria após mais de 10 anos em sala de aula.

A terceira semana teve como foco fazê-los compreender que existem leis e que estão inseridos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem como no recente Estatuto da Juventude, era das discussões. Viviam, muitos deles, em estado de vulnerabilidade. Alguns contribuíam trabalhando para o aumento da renda familiar.

Na quarta semana, cria-se objetivos para motivação e carreira, neste sentido trabalhou-se com o mundo das Ciências, Universidade, foi despertado com a proposta do ENEM. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) aceitava a inscrição após uma burocracia extensa. Não havia gratuidade para inscrever-se e concorrer a uma vaga no vestibular (única opção para entrar em cursos universitários).  Em reuniões, questionou-se sobre isso com a presidente da Comissão Permanente para o Vestibular (COMPERVE). Mais tarde, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) deu a ilusão que a Universidade não era um mundo distante.

Muitos começaram o empenho em adquirir conhecimentos, questionar o professor, participar de Congressos, Feiras de Ciências. Avançavam, evoluíam.  Do jovem sem escola, trabalhador, responsável por toda a família, agora, teriam que perceber que tinham direitos ao lazer, moradia, saúde, escola, com prioridade. É claro que as responsabilidades agora vieram mais contundentes para a escola. O professor é uma das pontas desta engrenagem.

O 1º. Bimestre, além de um diagnóstico, os jovens resgatavam os dois anos anteriores. Utiliza-se excertos de filmes, promove-se soletrando, ditados. Provocava-se em leitura de Fábulas onde eles contavam. Em seguida criavam textos narrativos. Compreender a diferença entre os gêneros, promover entretenimento, provocá-los em aprender a ser protagonista. Assim encontra caminhos para escrever com razão.

O 2º. Bimestre era a retomada do conteúdo curricular. Acelerava-se com filmes. Um deles era “Prova de Fogo” sobre o soletrando norte-americano. Discute-se questões raciais, colonialismo e escravidão, mas, principalmente, de onde vem a estrutura das palavras.” Macunaíma “é um filme brasileiro que provoca questões da miscigenação brasileira, nossa identidade cultural. Além de seminários sobre leitura de livros clássicos. Não se fazia uma ou duas atividades avaliativas, mas quatro e com direito a “bônus”, pontos extras. Atividades em grupo, atividades escritas.

Após um Seminário sobre Artigos, leis, de Códigos, Estatutos e a própria Constituição, promovido pela Associação de Magistrados do RN a profissionais da Educação, por 06 meses, aos sábados.  Compromete-se a atuar com tais recursos jurídicos.

Apesar da dificuldade com a leitura distante da sua vida cotidiana, eram surpreendidos com direitos e deveres que tinham e não conheciam. A satisfação era enorme. Refletir leis, artigos, a própria Constituição virou um conteúdo para Seminários e a melhora para escrever uma Dissertação. Um bimestre era para compreender as Leis, Constituição, Estatuto. Além de ler 05 Artigos, os jovens em seus grupos promoviam um debate. Este era executado no 3º. Bimestre. O objetivo era melhorar os argumentos da Dissertação.

Ao invés de ficarem com uma só opção, o livro didático, busca-se desafiá-los a compreender assuntos diversos: sobre a saúde dos jovens, atividades lúdicas e recreativas no período junino e no mês do folclore. Analisar letras de música, festival de canto coral com toda a turma. É um bimestre com muitas atividades, pois o exame para o ENEM, dos últimos 10 anos, era realizado em novembro.

Sobre o livro didático, pesado, com textos mais elaborados e com assuntos diversos, mas excluídos em sua própria região. O Programa Nacional do Livro Didático (BRASIL, 2010), reserva bilhões para a compra desse material. Na sua própria avaliação, técnicos avaliam a ausência de diálogo. Não há interação propositiva, os autores são, principalmente, de regiões mais desenvolvidas. Os professores de todo o país analisam e fazem opção da Escola. O livro é bastante intenso, mas os jovens tem dificuldades em alcançá-los. Foi um grande avanço nos últimos 10 anos. Livros para todos e de todas as disciplinas.

Daher, Freitas e Sant’Anna (2013. p. 2), asseguram que

“à ação governamental mais antiga relacionada ao livro didático data de 1937 (BRASIL, 1937), por iniciativa do Ministro Gustavo Capanema, com a criação de um órgão público, o Instituto Nacional do Livro (INL)”.

O Guia de Livros Didáticos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) orienta os professores para escolhê-los. Lá, apresenta suas principais qualidades e aspectos que precisam ser enriquecidos, dialogando com o professor que vai fazer a escolha do livro mais adequado a sua situação de ensino. As obras aprovadas possuem uma avaliação detectando maior reflexão aos professores que se submetem a escolha. As editoras escolhidas frequentam as escolas e doam um manual para cada professor. É todo um processo até chegar à escola. É o maior investimento público do mundo.

Optar para não priorizar o livro didático demandou vários aspectos: Primeiro: Os jovens reclamavam do peso dos livros, não só da disciplina, mas também de outras. Segundo: O Guia analisava ausência de diálogo, de reflexões. Não incentivava a coparticipação. É claro que entendemos a importância do papel professor neste processo. Terceiro: Os jovens com dificuldade em ler ou entender minimizavam o acesso regular ao livro. Teríamos muito mais aspectos para refletir, mas optamos por desconstruir essa imagem, por isto, entendíamos que criar propostas no processo de ensino e aprendizagem era fundamental.

O livro didático não é a nossa única opção. Por semestre, tínhamos cerca de 22 livros de literatura clássica ou nacional. Audições de mais de 30 poesias com reflexões sobre Gregório de M. Guerra, Gonçalves Dias, Castro Alves, Vinícius de Moraes, Fernando Pessoa, poetas africanos, Drumond. Poetas de nosso estado Jorge Fernandes, Auta de Sousa. Leitura e reflexões de Contos, livros em Seminários Sabatinados. Além disso, privilegiou-se histórias da Cultura Popular. Além de livros, os alunos pesquisavam assuntos de seu interesse: AID’s e DST’s, Diabetes, Suicídio, Qualidade de vida, drogas lícitas e ilícitas. Os profissionais da Biblioteca da escola sempre diziam que os alunos mais frequentadores eram os da 3ª. série do turno matutino. O que enaltece este trabalho, pois, às vezes, eram sugeridas a sua frequência por lá, porém muitas vezes eles iam por conta própria.

Um dos papeis cruciais do professor é criar condições que facilitem e garantam a aprendizagem. A sua função primordial é ensinar. Isto é muito complexo. Depende de circunstâncias, efeitos, tempo e o querer dos jovens. Em se tratando de jovens de escola pública no Brasil, muitas famílias não prestigiam a escola e o ensino.

Este efeito também é repassado aos jovens. Agregado a isto é a dependência de benefícios sociais ínfimos para sobreviver. Ou seja, dependem do acolhimento da escola e do Estado para sobreviverem.

Ensinar, portanto, deve haver uma relação de aprendizagem. É todo um processo que produz para o jovem entender e avançar em seus esforços. É por isso que deve haver uma intenção e ação do professor para facilitar e envolvê-los na mudança de comportamento.

Não existe uma única opção para ensinar e nem de aprender. Descobrimos – professor e alunos – momentos para decidir, facilitar ou o de aprender.  Ambos dependem do querer. São únicos, cada professor tem uma lógica para contribuir na aprendizagem.

E como descobrir se o método optado trouxe eficácia? Outros tantos fatores são envolvidos: a pergunta que fazemos no início é: 10 anos em sala de aula e não conhece regras, a diferença entre gêneros literários ou classes gramaticais. Além disso, provoca, tem raiva, mas não teve acesso para aprender a argumentar, na organização da escrita. Este é o diagnóstico que colhemos nas primeiras semanas de aula no início do ano letivo.

É neste contexto que a mudança de paradigmas foi necessária. Interferir com atividades lúdicas, de entretenimento, imagéticas, para aproximar-se dos jovens.

É preciso motivar e desafiar. Inclusive isto acontece primeiro com o professor. Ser propulsor de um ensino que contribua na evolução desse jovem, passa por diversos obstáculos: as regras: as regras estatais, o convívio com os colegas superiores e os próprios professores.

Por incrível que pareça a pandemia de COVID entre os anos 2020 e 2021, trouxe o ensino à distância que alavancou a fragilidade do professor e dos jovens. Tudo teve que ser reconstruído. O professor atrai os jovens para as suas aulas com músicas, slides criativos, diálogos. Por outro lado, a revelação que jovens não tem internet e celular. Particularmente, já havia refletido há mais de 5 anos.

Os psicólogos Henklain e Carmo (2013), reforça o que muitos educadores escrevem que é necessário atingir todos os estudantes e não apenas a maioria deles. Segundo Hubner (1987) e Luna (2000) é preciso conhecer de forma clara o que deve ser ensinado, sua finalidade, as competências e quem deve aprender e seu nível.

Ainda para os autores supracitados, a educação objetiva transmitir cultura, ou seja, repassar as novas gerações saberes históricos através do ensino. é preciso ensinar comportamentos que serão vantajosos para o seu futuro.

Isto implica na não competição individualista que se promove, mas a necessidade de incorporar valores como a solidariedade. Os psicólogos acreditam quando Skinner (1969) sugere revisão das práticas de ensino vigentes e a educação como centro para as culturas humanas.

3 Considerações Finais

Os jovens que possuem dificuldade de leitura e escrita, deve ser inserido em um programa que consiga resgatar o amor e ao mesmo tempo a motivação para continuar os estudos e observar a importância não só da leitura, mas da argumentação para que possam exercer a cidadania.

Este programa é construído em quatro etapas, em uma primeira faz-se um diagnóstico, na segunda testa-se metodologias e constrói democraticamente os caminhos metodológicos a serem seguidos, na terceira o resgate da cidadania e na quarta parcerias com universidades para instigar a vontade de continuar os estudos na universidade.

Neste processo, encontra-se muitos desafios, um deles é a própria configuração do livro didático que não observa a cultura local e muitas vezes é calcado em uma realidade distante dos rincões deste país. Isto posto, há uma desmotivação em sua utilização e muitas vezes o abandono do professor pelo material.

Naturalmente não se está minimizando a importância do livro, mas é preciso criar outros contextos para tornar a aula mais produtiva e interessante, como trabalhar com filmes, imagens, ou seja, de maneira mais lúdica. E neste universo incluir culturas e obras locais para dar sentido e significado a aprendizagem.

Esforça-se para que os estudantes conheçam as obras literárias de grandes autores da cultura nacional e local, incentivando a visitação a biblioteca para leitura, discussão, grupos de estudo, o objetivo é romper com o individualismo e construir a cooperação como princípio educacional.

REFERÊNCIAS

CANDAU, V. M. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In: MOREIRA, A F.; CANDAU, V. M. (Org.). Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas. Petrópolis: Vozes, 2008. p. 13-37.

Decreto nº 7.084, de 27 de janeiro de 2010, que dispõe sobre os programas de material didático e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7084.htm. Acesso em: outubro. 2021.

Daher, Del Carmen; Freitas, Luciana; Sant’Anna, Vera. Breve trajetória do processo de avaliação do livro didático de língua estrangeira para a educação básica no âmbito do PNLD. Eutomia. 11. 2013. p. 407-426.

FREIRE. Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994

Henklain, M.  H.  O.; Carmo, J.  S.  Contribuições da análise do comportamento à educação: um convite ao diálogo. Cadernos de Pesquisa, 43(149). 2013. 704-723.

HBNER, Ma. Martha Costa. Analisando a relação professor-aluno: do planejamento à sala de aula. SP:CLP, Balieiros, 1987, 33p

LUNA, Sérgio V. Contribuições de Skinner para a educação. In PLACCO, Vera M. N. de S. (org). Psicologia & Educação: revendo contribuições. SP: Educ, 200.p 145-179    

MORIN, Edgar. Os setes saberes necessários à educação do futuro. Tradução de Catarina Eleonora F. Silva e Jeanne Sawaya. São Paulo: Cortez, 2000.

PORVIR. (2019). Disponível em: <https://porvir.org/nossaescolarelatorio/>. Acesso em 01/11/2021.

SKINNER, Burhus Frederic. Contigencies of reinforcement: a theo tical analysis. New York: ppleton_Century _Crofts, 1969.

Libania Maria Pinheiro Borges

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