Autor: Vandeir Ponciano da Silva
Centro Universitário Internacional UNINTER Bacharelado em Ciência Política
RESUMO
As parcerias entre o Estado e as organizações da sociedade civil permitem a construção de uma sociedade mais justa e solidária. O presente trabalho visa apresentar um panorama histórico da evolução das leis que regem essa relação e as mudanças trazidas pelo novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC). Objetivamos ainda, demonstrar como os agentes do Terceiro Setor podem aplicar alguns conceitos utilizados nas Relações Governamentais para atingir a sustentabilidade das suas organizações. Para isso faz-se necessário o embasamento bibliográfico e o estudo da legislação concernente ao Terceiro Setor, como também das competências exercidas no âmbito das Relações Governamentais, que podem ser aplicadas pelas organizações da sociedade civil. Este estudo demonstrou como a evolução das políticas para o terceiro setor permitiu a participação efetiva da sociedade no ciclo das políticas públicas e como o lobby/advocacy é utilizado para a conquista dos objetivos dessas organizações.
Palavras-chave: Representação de interesse. Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil. Terceiro Setor
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 (CF/1988) garantiu a liberdade de associação para fins lícitos (art. 5o, inciso XVIl) e a participação das organizações não governamentais na promoção de direitos e garantias fundamentais (art. 227. § 1°). A partir de 1935 começou a ser promulgada uma extensa legislação que possibilitava a realização de parcerias com o Estado. O convênio era a forma mais utilizada na formalização das parcerias e as transferências de recursos da União eram realizadas por meio do SINCOV (Sistema de informação gerencial responsável pela operacionalização de parcerias entre a União, estados, municípios e OSCs). No entanto, o conjunto de regras não privilegiava a imensa diversidade de organizações que pleiteavam os recursos do Estado. O Termo de Parceria da Lei das OS (Lei no 9.790/1999) e o Contrato de Gestão limitavam a realização de parcerias às entidades qualificadas como Oscips. Era preciso criar um ambiente que estimulasse a celebração de parcerias com um universo mais amplo de organizações. Nesse cenário (2010), um grupo composto por diversas organizações e movimentos sociais, passou a reivindicar um acesso mais democrático aos recursos públicos criando a PLATAFORMA OSC (Plataforma por um Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil). Essa iniciativa gerou uma gama de esforços que deram origem ao MROSC (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil).
Objetivamos com este trabalho demonstrar a evolução das políticas públicas para o Terceiro Setor no Brasil entre os anos de 1935 a 2014 até a chegada da Lei de n° 13.019/14 de Fomento e Colaboração. O conhecimento atualizado dessa legislação é de vital importância para que os agentes do terceiro setor possam atingir a sustentabilidade das suas organizações.
A escolha do tema deu-se em virtude das relevantes informações obtidas nas disciplinas de Relações Governamentais e Políticas Públicas, onde foram abordadas a importância da participação da sociedade civil organizada em todo o ciclo das polítcas públicas no Brasil.
A metodologia utilizada neste trabalho consistiu em revisão bibliográfica, a partir da consulta de livros e documentos oficiais emitidos pelas burocracias governamentais do país em estudo. Sendo assim, examinaremos na seção 1 as definições a respeito do Terceiro Setor e as formas juridícas das organizações. Em seguida, na segunda seção, falamos sobre a importância das organizações da sociedade civil no ciclo das políticas públicas. Na terceira seção, demonstamos o panorama da evolução das leis que regiam as parcerias entre o Estado e as organizações da sociedade civil até a chegada do novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC) e seus novos instrumentos jurídicos. E por fim, na última seção, como os agentes do terceiro setor podem utilizar algumas das competências do âmbito das Relações Governamentais para captar recursos para as entidades.
2. O TERCEIRO SETOR NO BRASIL
2.1 DEFININDO O TERCEIRO SETOR
De acordo com Sanches (2004, apud QUEIROZ, 2012, p.78) podemos afirmar que, “o terceiro setor compreende as organizações e as instituições sem fins lucrativos e não estatais com atuação voltada para o bem-estar social, isto é, direcionadas ao interesse público”.
A denominação terceiro setor decorre do fato de as organizações não pertencerem a nenhum dos dois setores tradicionais – público e privado. No primeiro setor (público), a origem e destino dos recursos são públicos, enquanto o segundo setor corresponde ao capital privado que visa lucro. As organizações do terceiro setor se diferenciam das do primeiro setor por não serem governamentais e das do segundo por não possuírem fins lucrativos […] é composto por um amplo conjunto de organizações não governamentais (ONGS), as fundações, institutos empresariais, as associações comunitárias, as entidades assistenciais e as filantrópicas, além de outras entidades sem fins lucrativos (SANCHES, 2004, apud Queiroz, 2012, p.79).
Os movimentos sociais que emergiram no contexto da redemocratização brasileira na década de 1970 durante a ditadura militar colocavam em pauta a exigência de direitos econômicos, sociais, culturais, civis e políticos frente a uma enorme desigualdade social. As entidades adotaram o termo ONG para dar a esses movimentos uma maior representatividade.
ONG foi uma denominação cunhada em 1945 pela Organização das Nações Unidas (ONU) em referência às entidades sem fins lucrativos, organizadas nos níveis local, nacional ou internacional e dirigidas a ações de interesse público, que atuaram na reconstrução de seus países após a Segunda Guerra Mundial e tinham na independência em relação aos governos uma de suas principais características. Surgiu para explicitar que os povos das Nações Unidas poderiam se expressar não apenas por meio dos representantes de organismos do governo como também por meio de organizações não governamentais. (MROSC, 2015, pag.28)
Atualmente, adota-se o termo OSC (singular) “Organização da Sociedade Civil” para indicar o protagonismo dessas organizações perante o Estado. Outro motivo que determinou a adoção dessa nomenclatura foram, segundo Queiroz (2012, p.81) os “diversos casos de denúncias de desvio de verbas públicas […] no qual o termo ONG assumiu um caráter pejorativo”.
2.1.1. Os quatro tipos jurídicos de OSCs
Via de regra, quando os movimentos sociais optam pela profissionalização da representação de interesse, precisam enquadrar-se em alguma forma jurídica.
No Brasil, a maior parte das organizações enquadra-se juridicamente nas formas societárias de associação e fundação.
Associações
As associações são constituídas pela união de pessoas que se organizam para determinados fins, que podem ser voltados à coletividade, como as que promovem os direitos das pessoas com deficiência, ou ser de benefício mútuo e se restringir a um grupo seleto e homogêneo de associados, destinados, por exemplo, à recreação, como é o caso dos clubes. Não há obrigação de existência de capital ou patrimônio para iniciar suas ações, uma vez que estão fundadas nas pessoas.
Fundação
A fundação, por sua vez, é definida pela destinação de seu patrimônio. Seu momento de criação coincide com a dotação de bens destinados a cumprir uma finalidade social, de acordo com a vontade de seus instituidores, que determinam também as formas como esse patrimônio será administrado. As fundações privadas podem ser instituídas pelo patrimônio de indivíduos ou de empresas. Normalmente há uma espécie de plano de sustentabilidade aprovado pelo Ministério Público, que autoriza sua criação, eventuais alterações de estatuto e sua dissolução.
Ambos os tipos são regidos por estatutos sociais, elaborados segundo as regras do Código Civil.
O atual Código Civil agregou a expressão “de fins não econômicos” para as associações, que vem sendo interpretada como sinônimo de “finalidade não lucrativa” e, portanto, não impede que as OSC realizem atividades de geração de renda coerentes com seus objetivos estatutários.
Organizações Religiosas
As organizações religiosas, também consideradas nesta delimitação das OSC, conquistaram uma figura jurídica própria a partir da Lei no 10.825/2003, que alterou o Código Civil e incluiu um novo tipo societário. Não foram todas as associações de origem religiosa que adotaram essa nova figura; muitas ainda estão por adotar a nova forma para melhor organizar e separar as suas ações. Sabe-se que igrejas possuem forte e histórica presença na prestação de serviços públicos, sobretudo nas áreas de educação, saúde e assistência social, sendo que, de modo geral, a prestação de serviços é realizada por associações criadas para essas finalidades específicas e, portanto, independentes de atividades confessionais.
Cooperativas
Importante atentar que Lei no 13.019/2014 também considera como OSC as cooperativas. A despeito da finalidade econômica (de geração de renda para os cooperados), as cooperativas no geral, em razão dos princípios que as orientam, têm muito mais semelhanças com as associações do que com as empresas, especialmente no caso daquelas que atuam na inclusão produtiva de grupos socialmente vulneráveis.
As cooperativas de inclusão produtiva que atuam em áreas específicas – coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos, extrativismo – e integradas por pessoas em situação de vulnerabilidade social, risco pessoal e social representam típicas situações em que a sociedade se une para finalidades de atuação de interesse público, intervenção política e inclusão produtiva, com geração de trabalho e renda. (MROSC, 2015, p.45)
3. A RELEVÂNCIA DO TERCEIRO SETOR NO CICLO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS.
3.1 A PARTICIPAÇÃO SOCIAL NO CICLO DAS POLITICAS PUBLICAS
Segundo Roosevelt Brasil, “a razão da existência das políticas públicas é o Estado social, marcado pela obrigação de garantia de direitos fundamentais ao cidadão.” A política pública elenca um conjunto de decisões tomadas para resolver/amenizar um problema social.
“Por meio das parcerias com o Estado, a sociedade civil organizada pode inicidir mais diretamente no ciclo de políticas públicas, com atuação em diferentes papéis. A presença das Organizações da Sociedade Civil (OSCs) pode ser observada na etapa de formulação da política, por meio da participação em conselhos, conferências e compartilhamento de experiências de tecnologias sociais inovadoras; na execução, por meio da celebração de acordos com o poder público e a efetiva implementação de projetos e ações de interesse público; e no monitoramento e avaliação, no exercício do controle e reflexão sobre os meios e resultados do ciclo das políticas públicas” (MROSC,2015, pag.19)
4. A EVOLUÇÃO DAS LEIS QUE REGEM AS PARCERIAS ENTRE O ESTADO E A SOCIEDADE
4.1 DIREITO DO TERCEIRO SETOR ANTES DA LEI 13.019/2014
Seguindo o panorama cronológico contido no (MROSC 2015, pag.119) que traça a “linha do tempo sobre as relações entre o Estado e as organizações da sociedade civil” podemos demonstrar de forma suscinta a evolução das leis que regiam as regras de parceria entre o Estado e o terceiro setor até a chegada da Lei no 13.019/2014 de Fomento e Colaboração que deu origem ao novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC).
Em 1935, a Lei no 91/1935 (Lei da Declaração de Utilidade Pública Federal) prevê a possibilidade de o Estado outorgar declaração de Utilidade Pública Federal às entidades que sirvam desinteressadamente à comunidade.
Em 1959, a Lei no 3.577/1959, criou a isenção da taxa de contribuição de previdência aos institutos e caixas de aposentadoria e pensões para entidades de fins filantrópicos.
Em 1962, o Decreto no 1.117/1962 regulamentou a Lei no 3.577/1959, que institui competência para a certificação ao CNSS (Conselho Nacional de Serviço Social) trazendo como requisitos o registro no CNSS, a não remuneração de dirigentes, sócios ou irmãos, e a destinação da totalidade das rendas apuradas ao atendimento gratuito das suas finalidades.
Em 1967, o Decreto-Lei no 200/1967, introduz o convênio como instrumento voltado para a cooperação entre a União e entes federados, apenas para viabilizar a Política Nacional de Saúde, quando realizada por entidades públicas e privadas.
Em 1977, o Decreto-Lei no 1.572/1977 revoga a Lei no 3.577/1959 e reconhece o direito adquirido das entidades que fossem declaradas Utilidade Pública Federal, e portadoras do CEFF, com prazo de validade indeterminado, e que estivessem usufruindo da isenção.
Após o fim da ditadura em 1986, o Decreto no 93.872/1986 permitiu que o convênio fosse utilizado na relação público-privada, quando destinada a serviços de interesse público. Posteriormente, foi revogado pelo Decreto no 6.170/2007.
Em 1988, a Constituição Federal ampliou o sistema de garantia de direitos e proteção social, por meio de políticas estruturadas. Prevê a prestação direta dos serviços a partir da descentralização (estados e municípios) e da parceria entre poder público e organizações da sociedade civil. Inaugura-se uma nova era de relação com o Estado. No mesmo ano a Lei n° 9.637, de 15 de maio de 1988, criou a figura jurídica das Organizações Sociais (OS); e posteriormente, e a Lei n° 9.790 sancionada em 23 de março de 1999 criou a figura das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Essas titulações eram conferidas a entidades privadas sem fins lucrativos que cumpriam certos requisitos que as permitiam captar recursos por meio de contratos de gestão e termos de parcerias.
Em 1991, a Lei no 8.212/1991 vincula a isenção das contribuições previdenciárias, entre outros requisitos, a que a entidade seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos. A isenção teria que ser requerida ao INSS, e posteriormente, à Receita Federal.
Em 1993, é editada a Lei no 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos) que institui as normas de licitações e contratos da administração pública direta e indireta para a contratação de terceiros, complementada pelo artigo sobre os convênios (art. 116) e diz que se aplica a Lei de Licitações no que couber. No mesmo ano a Lei no 8.742/1993 (Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS) estabelece a Política Pública de Assistência Social como dever do Estado e direito do cidadão e define diretrizes para as ações de assistência realizadas no âmbito das OSCs. Em seguida, o Decreto no 752/1993 dispôs sobre a concessão do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos pelo CNSS, definindo requisitos tais como aplicar anualmente pelo menos 20% da receita bruta proveniente da venda de serviços e de bens não integrantes do ativo imobilizado, bem como das contribuições operacionais, em gratuidade, cujo montante não poderá ser inferior à isenção de contribuições previdenciárias usufruídas.
Em 1994, a Lei no 8.958/1994 cria as Fundações de Apoio, instituições com a finalidade de apoiar projetos de pesquisa, ensino e extensão e de desenvolvimento institucional, científico e tecnológico de interesse das instituições federais contratantes.
Em 1995, surge o Conselho da Comunidade Solidária ligado à Casa Civil para assessorar a Presidência, com foco no desenvolvimento social, e que também objetivava discutir as parcerias entre o Estado e a sociedade civil. Em 1997, na 6a Rodada de Interlocução Política o mesmo órgão começa a
promover o primeiro debate sobre o Marco Regulatório do Terceiro Setor no Brasil.
Em 1997, a Instrução Normativa STN no 01/1997 determinava as regras gerais para operacionalização dos convênios entre parceiros públicos e privados que tenham por objeto a execução de projetos ou realização de eventos. Essa norma vigorou de 1997 a 2008. No mesmo ano a Lei no 9.532/1997 passou a regulamentar as condições para gozo de imunidade e isenção de imposto de renda pelas OSCs.
Em 1998, a Lei no 9.637/1998 instituiu a qualificação de Organização Social (OS). Logo após, é publicada a Lei no 9.608/1998 (Lei do Voluntariado) que regulamenta o serviço voluntário no Brasil. Também no mesmo ano o Decreto no 2.536/1998 passou a dispor sobre a concessão do Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos a que se refere à Lei no 8.742/1993.
Em 1999, Lei no 9.790/1999 (Lei das Oscips) estabelece o título de Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) e cria o termo de parceria para contratualização com o Estado. Em seguida, o Decreto no 3.100/1999 passa a regulamentar a Lei das Oscips e o termo de parceria para contratualização com o Estado. No mesmo ano o Decreto no 3.048/1999 regulamenta a Lei no 8.212/1991 e vincula a isenção das contribuições previdenciárias à certificação e ao requerimento do reconhecimento administrativo junto ao INSS, e posteriormente, junto a Receita Federal.
Já em 2001, acontece 14a Rodada de Interlocução Política, convocada pelo Conselho da Comunidade Solidária para debater o Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil, com foco nas questões tributárias. No mesmo ano o Senado Federal instala a CPI da ONGS para apurar denúncias veiculadas na mídia acerca da atuação irregular de OSCs. O relatório final da CPI das ONGs destacou que a diversidade dessas organizações dificultava a delimitação de um conceito único para abrangê-las. Daí surgiu o PL no 7/2003, que dispõe sobre o registro, fiscalização e controle das OSCs.
Em seguida, no ano de 2002, a Lei no 10.637/2002 regulamenta o aparente conflito entre a remuneração de dirigentes prevista nas Leis no 9.637/1998 e no 9.790/1999 e a condição para gozo de isenção e imunidade ao imposto de renda de que trata a Lei no 9.532/1997.
Em 2003, Instrução Normativa STN no 03/2003 dispôs por algum tempo que as OSCs deveriam aplicar procedimentos análogos à Lei de Licitações quando firmassem convênios com o governo, alterando a Instrução Normativa STN no 01/1997.
Em 2004, Projeto de Lei no 3.877/2004 substitui o PL no 7/2003 aprovado no Senado, sendo encaminhado para a Câmara dos Deputados sob o número 3.877/2004, sendo o processo principal no qual os projetos de lei sobre o tema passaram a ser apensados. Nesse ano, Abong promove o I Seminário Marco Legal das ONGs. Realizando debate no Congresso Nacional, e com a participação da então relatora do PL 3.877/2004, a deputada federal Ann Pontes (PMDB/PA), para discutir também o processo de criminalização das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais.
Em 2005, o Decreto no 5.504/2005 (Pregão Eletrônico) institui o pregão eletrônico como forma preferencial de contratação de bens e serviços em transferências voluntárias de recursos públicos da União (convênios, instrumentos congêneres, ou consórcios públicos), inclusive para as entidades privadas sem fins lucrativos.
Em 2006, é instituído o Cadastro Nacional de Entidades Sociais do Ministério da Justiça no qual organizações qualificadas como Oscip ou declaradas de Utilidade Pública Federal passam a ter obrigação de se cadastrar e prestar contas anualmente, além de ser uma plataforma de transparência aberta a interessados.
Em 2007, é aberta nova CPI com o objetivo de analisar a liberação de recursos do governo federal para OSCs no período de 1999 até 2007. Encerra seus trabalhos em novembro de 2010 sem a aprovação de relatório final, mas inspirando o PLS no 649/2011, que foi apresentado pelo Senador Aloysio Nunes (PSDB/SP).
No mesmo ano o Decreto no 6.170/2007 regulamentou os convênios para regular as transferências entre órgãos e entidades da administração pública federal, com organizações públicas e privadas sem fins lucrativos, e define o sistema de cotação prévia de preços para as compras das OSCs com recursos públicos criando o Siconv – sistema de informação gerencial responsável pela operacionalização de parcerias entre a União, estados, municípios e OSCs. Após, a Portaria Interministerial no 127/2008 as normas para as transferências de recursos da União mediante convênios e contratos de repasse para entidades públicas e privadas sem fins lucrativos foram aprimoradas. Posteriormente, a mesma foi alterada pela Portaria no 507/2011.
Em 2009, a Lei no 12.101/2009 dispôs sobre a Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas) nas áreas de educação, saúde e assistência social, e regula procedimentos de isenção de contribuições para seguridade social.
Em 2010, o Decreto no 7.237/2010 criou a Nova Lei da Certificação para regulamentar o processo de Certificação das Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas) para obtenção da isenção das contribuições para a seguridade social. (MROSC, 2015, p.200)
Apesar da extensa legislação, o Termo de Parceria da Lei das Oscips (Lei no 9.790/1999) e o Contrato de Gestão limitavam a realização de parcerias às organizações qualificadas como Oscips. Era preciso criar um ambiente que estimulasse a celebração de parcerias com um universo mais amplo de organizações. Em 2010, um grupo que reivindicava um acesso mais democrático aos recursos públicos criou a Plataforma OSC (inserir endereço do site) e encaminhou aos candidatos à Presidência da República do pleito de 2011 um documento contendo as reivindicações para aprimoramento do ambiente institucional vigente entre as parcerias do Estado.
NO PERÍODO DE 2011 A 2014, O MARCO REGULATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES da Sociedade Civil (MROSC) se constituiu como uma agenda política ampla na Secretaria-Geral da Presidência da República. Essa agenda não se resumiu aos esforços que redundaram na edição da nova Lei de Fomento e Colaboração (Lei no 13.019/2014), mas se estendeu a um conjunto amplo de estratégias para o aperfeiçoamento do ambiente jurídico e institucional relacionado às organizações da sociedade civil e suas relações de parceria com o Estado. (MROSC, 2015, p.27)
4.1.1 O Novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil e Sustentabilidade das OSCS
O esforço conjunto das organizações da sociedade civil, gestores públicos, acadêmicos e especialistas resultou na aprovação da Lei no 13.019/2014 de Fomento e Colaboração que estabeleceu avanços significativos e criou um novo regime jurídico em âmbito nacional para as parcerias entre o Estado e a sociedade civil. A nova lei foi sancionada pela presidenta Dilma Rousseff no dia 31 de julho de 2014 e publicada no Diário Oficial no dia 01 de agosto de 2014. A nova Lei no 13.019/2014 passou a vigorar em 23 de janeiro de 2016 no âmbito federal e estadual e nos municípios em 1o de janeiro de 2017.
A implementação da Lei MROSC, ao mesmo tempo, valoriza as organizações da sociedade civil como parceiras do Estado na garantia e efetivação de direitos e estimula o desenvolvimento de gestão pública democrática e participativa. Nesse sentido, reconhece-se que as parcerias entre Estado e sociedade civil aproximam as políticas públicas dos cidadãos e das realidades locais, possibilitando a solução de problemas de maneira criativa e inovadora.
Devido à abrangência nacional, a Lei MROSC deve ser cumprida por todos os órgãos e entidades públicas federais, estaduais, distritais e municipais, dos poderes executivo, legislativo e judiciário. (MROSC/DF, 2018, pag.11)
4.1.2 Novos instrumentos jurídicos para as parceiras entre o Estado e OSC
De acordo com a nova Lei no 13.019/2014 de Fomento e Colaboração, as organizações da sociedade civil poderão celebrar o Termo de Fomento e o Termo de Colaboração com a administração pública independente da exigência de títulos ou certificados, sendo selecionadas por meio de edital chamamento público.
Na contramão da tendência de certificações específicas que autorizam organizações da sociedade civil a parceirizar com o Estado, o MROSC não exige qualquer titulação prévia como requisito para estabelecimento de parcerias, induzindo, de maneira mais plural, a colaboração da sociedade civil na execução de políticas públicas. (MROSC/DF, 2018, pag.14)
O Decreto no 8.726/2016 dispõe sobre regras e procedimentos do regime jurídico das parcerias celebradas entre a administração pública federal e as organizações da sociedade civil de que trata a Lei no 13.019. O Termo de Fomento e o Termo de Colaboração destinam-se para as parcerias que pretendam atender interesse público. Ambos possibilitam a transferência de recursos em substituição aos convênios paras as organizações, porém, as formas de celebração são distintas para cada caso.
4.1.3 O Termo de Fomento
No Termo de Fomento são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com as OSCs para a consecução de finalidades de interesse público propostas pelas Organizações da Sociedade Civil, que envolvam a transferência de recursos financeiros. A proposta é feita pela OSC à administração pública e possibilita uma maior flexibilidade na construção do plano de trabalho, não possuindo metas, prazos e custos pré-determinados nas políticas públicas existentes.
4.1.4 O Termo de Colaboração
No Termo de Colaboração são formalizadas as parcerias estabelecidas pela administração pública com as OSCs para a consecução de finalidades de interesse público propostas pela administração pública que envolva a transferência de recursos financeiros. Deve ser utilizado para a celebração de parcerias cujos objetos sejam serviços e atividades condizentes com as políticas públicas já conhecidas, divulgados nos programas de governo, onde a administração pública consiga estipular os objetos, as metas, os prazos e mensurar os valores que serão disponibilizados, bem como os resultados a serem alcançados.
4.1.5 O Acordo de cooperação
Nos casos em que a parceria não envolve a transferência de recursos financeiros por parte da administração pública, o instrumento a ser utilizado será o Acordo de Cooperação, podendo ser proposto tanto pela administração pública federal quanto pela organização da sociedade civil interessada. O Acordo de Cooperação exigirá a realização de chamamento público somente nos casos que envolvem o regime de comodato, doação de bens ou outra forma de compartilhamento de recurso patrimonial.
4.1.6 Procedimento de Manifestação de Interesse Social (PMIS)
O PMIS é um mecanismo novo de participação social que permite a qualquer cidadão, movimento social ou organização da sociedade civil apresentarem propostas ao poder público para que este avalie a possibilidade de realização de chamamento público e seleção objetivando a celebração de parcerias. Porém o PMIS não obriga o poder público a parceirizar com a OSC que apresenta a proposta e o respectivo diagnóstico do problema social. Todavia tal dispositivo tornar-se um desestímulo para as organizações proporem PMIS em determinadas circunstâncias.
4.1.7 A remuneração dos dirigentes
A Lei no 91 de 1935 condicionava o Título de Utilidade Pública Federal à proibição da remuneração dos cargos de diretoria, conselhos fiscais, deliberativos e consultivos da organização.
[…] as exceções foram previstas em legislações específicas sobre o tema, quais sejam, nas Leis no 9.637/1998 e no 9.790/199957 que, respectivamente, tratam das OSs e das Oscips, e pela Lei no 12.101/2009, com as modificações trazidas pela Lei no 12.868/2013, que trata da Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social (Cebas). (MROSC, 2015.p.82)
O Decreto no 8.244/2014, promulgado após a Lei no 13.019/14 autoriza de forma clara a remuneração dos dirigentes e da equipe de trabalho contratada para desenvolver o projeto. Além do pagamento dos custos indiretos e das despesas essenciais para execução da parceria, que geralmente eram vedadas em alguns editais.
São pelo menos três cenários distintos quanto à possibilidade de remuneração de pessoas com recursos públicos advindos do projeto:
I. O primeiro é a possibilidade de realizar o pagamento de profissionais independentemente de seu vínculo estatutário, ou seja, reconhece a possibilidade de pagar dirigentes da entidade pela função desempenhada no projeto, descrita em plano de trabalho;
II. Outra possibilidade é a remuneração dos funcionários contratados com vínculo trabalhista pela organização, que poderão ser alocados no projeto e ser pagos com recursos públicos durante o tempo em que se dedicará ao projeto;
III. O terceiro cenário é o caso da contratação de terceiros, sejam eles pessoas físicas contratadas como prestadores de serviços autônomos ou pessoas jurídicas contratadas por fornecimento de bens ou prestação de serviços específicos. (MROSC, 2015.p.84)
5. O USO DAS COMPETÊNCIAS DAS RELAÇÕES GOVERNAMENTAIS E A REPRESENTAÇÃO DE INTERESSE DAS OSCS
5.1 A REPRESENTAÇÃO DE INTERESSE NO BRASIL E O TERCEIRO SETOR
As organizações do terceiro setor podem empreender o advocacy para atingirem seus objetivos. Segundo Azolin (2020, p. 97) “o advocacy é uma atividade cujo objetivo é difundir, propagar uma causa pública”. Também compreende-se advocacy por:
[…] um tipo de ação política organizada e planejada, realizada tipicamente por organizações da sociedade civil, independentemente de mandato político, que engajam e mobilizam a opnião pública em torno de uma causa para influenciar os tomadores de decisão a considerar demandas legítimas e relevantes acerca de políticas públicas em curso, em elaboração ou implementação. (Gozetto, 2018 Apud Azolin)
O consultor em comunicação e marketing para o Terceiro Setor, Marcio Zeppelini afirma que,
O termo advocacy, expressão inglesa que ainda não ganhou tradução literal para o português, se generalizou ao longo do tempo em função do acelerado crescimento do Terceiro Setor em todo mundo. O lobby – ou o advocacy – é a utilização do poder e do status para se comunicar melhor e conquistar os objetivos pretendidos. Apesar da palavra lobby ter sido usurpada por malfadados governantes, seu significado é tão nobre quanto o objetivo do Terceiro Setor.
Advocacy é, basicamente, um lobby realizado entre setores (ou personagens) influentes na sociedade. É na realização de processos de comunicação, reuniões entre os interessados e os pedidos entre essas influências que se dá o verdadeiro advocacy, que pode ter várias vertentes, como social, ambiental ou cultural. (Zeppeline, 2011, p.141)
Zappellini (2011, p.144) enfatiza que a organização da sociedade civil também pratica o advocacy “na esfera governamental para a promulgação de uma lei […] que beneficie os objetivos sociais que ela representa ou almeja.”.
Nesse contexto, as competências desenvolvidas no âmbito das Relações Governamentais como o monitoramento legislativo e o monitoramento político podem ser utilizadas pelos agentes do terceiro setor para exercerem o advocacy de forma mais eficiente. Tais competências também podem ser utilizadas para captação de Emendas Parlamentares Individuais, que são recursos destinados às organizações da sociedade civil que prestam serviços à população.
5.1.2 O monitoramento legislativo
Através do monitoramento legislativo é possível acompanhar as demandas da sociedade e os projetos de lei que tem potencial de serem aprovados e se tornarem políticas públicas. Como enfatizado por Azolin (2020,p.398) as “mídias, redes sociais, audiências públicas, conferências, mobilizações sociais, manifestações de rua […]são fontes para identificar as situações que estão incomodando a sociedade.” Segundo Azolin (2020,p. 398) o monitoramento legislativo objetiva antecipar e identificar “temas de interesse da organização que se encontram na agenda dos diferentes segmentos da sociedade civil…” e acompanhar as propostas legislativas que tramitam no processo legislativo.
A internet e as redes sociais se constituem na forma mais fácil de realizar o monitoramento legislativo, pois as plataformas oficiais de comunicação dos órgãos legislativos que atualmente, já estão em plataformas digitais como Facebook, Twiter, Instagram, WhatsApp e Telegram, possibilitam o acesso irrestrito a qualquer cidadão ao que está em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado. O Portal (site) da Câmara dos Deputados, por exemplo, possibilita aos usuários opinar e votar nos projetos de lei. Essa metologia pode ser utilizada para acompanhar as alterações na legislação vigente que poderão impactar positiva/negativamente e direta/indiretamente as organizações da sociedade civil. Nesse contexto, merece especial atenção a Lei de Fomento e Colaboração contida no novo Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil – MROSC.
As informações obtidas com o monitoramento legislativo também podem servir para elaboração de projetos sociais voltados para o atendimento dos problemas sociais abordados nos projetos de lei.
5.1.3 O Monitoramento político
O processo de monitoramento político é complementar ao monitoramento legislativo, o foco está nos tomadores de decisão. Azolin (2020,p.413) enfatiza que o monitormento político “identifica os tomadores de descisão que apresentam o maior grau de alinhamento […] aos interesses da organização.” Nesse quesito, o monitoramento político pode ser aplicado pelos agentes do terceiro setor para mapear o envio de emendas parlamentares para as organizações da sociedade civil, e em seguida, identifcar os parlamentares mais engajados no envio desses recursos e mais alinhados com os objetivos das suas entidades. Após identificar esses “atores-chaves” que apoiam as OSCs com mais frequência, os agentes do terceiro setor poderão enfim, traçar estratégias de interlocução – advocacy- com esses parlamentares objetivando a captação de emendas para as suas organizações. O monitoramento político também poderá ser realizado através dos canais oficiais e em plataformas digitais como Facebook, Twiter, Instagram, WhatsApp e Telegram. Um recurso adcional muito eficaz, é a utilização do Google Alerts – um serviço de monitoramento via Web que detecta novos conteúdos indexados pelo Google — como páginas da web, notícias, artigos, posts de blog etc…que notifica os usuários cadastrados por email.Ao criar um alerta com a palavra-chave “emenda parlamentar” o usuário recebrá atualizações diárias por e-mail de todas as notícias asssociadas a este termo. O mesmo recurso poderá ser utilzado também para o monitoramento legislativo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho demonstrou, de forma sucinta a evolução histórica das políticas públicas para o Terceiro Setor no Brasil, e como surgiu a necessidade de uma nova regulamentação para que as organizações da sociedade civil pudessem obter um acesso mais amplo às parcerias com o Estado. Mereceu destaque a Lei no 13.019/14 de Fomento e Colaboração que trouxe os novos instrumentos jurídicos para essas parcerias (Termo de Fomento, Termo de Colaboração, Acordo de Cooperação e Procedimento de Manifestação de Interesse) e o Decreto de no 8.244/14, que passou a autorizar a remuneração dos dirigentes e da equipe de trabalho com os recursos advindos das parcerias. Descobriu-se no decorrer deste trabalho que os termos lobby e advocacy surgiram a partir das atividades exercidas pelo terceiro setor ante a esfera governamental. Demonstrou-se também que os agentes do terceiro setor podem utilizar o monitoramento legislativo e o monitoramento político para identificar e influenciar os tomadores de decisão da esfera governamental, como também para captar recursos para as suas organizações.
Cabe salientar que devido à complexidade da legislação vigente, exige-se cada vez mais, que os agentes do terceiro setor, especializem-se, superando o desafio da profissionalização para atingirem o sucesso e a sustentabilidade nas causas em que atuam.
REFERÊNCIAS
ZEPPELINI, Marcio et al. Comunicação: Visibilidade e Captação de Recursos
para projetos sociais. 1. ed. São Paulo, 2011
AZOLIN, Audren Marlei. Do Lobby às Relações Governamentais: a profissionalização da representação de interesse no Brasil. Curitiba: Intersaberes, 2020.
QUEIROZ, Roosevelt Brasil. Formação e gestão de políticas públicas. Curitiba: Intersaberes, 2012.
BRASÍLIA DF. Secretaria geral da Presidência da República. MARCO REGULATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL A construção da agenda no governo federal – 2011 a 2014, [2015]. Disponível em <https://www.gov.br/plataformamaisbrasil/pt-br/manuais-e-cartilhas/arquiv os-e-. 12.15_MROSC_ArquivoCompleto_Capa_Miolo.pdf> Acesso em: 02 de jul. 2023
GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL–DF MANUAL MROSC/DF GESTÃO DE PARCERIAS DO MARCO REGULATÓRIO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL, 2018.
Disponível em <https://www.casacivil.df.gov.br/wpconteudo/uploads/2018/11/Manual-MR OSC-DF-FINAL.pdf
BRASIL. Decreto n. 8.726, de 27 de abril de 2016. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/decreto/d8726. htm Acesso em: 04 mar.2024